"Não existem garantias. Sob a perspectiva do medo, nada é suficientemente seguro. Sob a perspectiva do amor, nada é necessário".
Emmanuel


quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

"Ética para meu filho"

Imagino que você esteja, no mínimo, curioso com o título desta postagem. Explico: trata-se do livro mais transformador que eu tive a oportunidade de ler.
 
Uma, duas, três, talvez mais de 5 vezes, em vários momentos da minha vida. E, a cada leitura, um novo olhar sobre a mesma bela reflexão de que o livro trata.
Sem muitas delongas, compartilho com você o prólogo, que acredito ser suficiente para, um dia, despertar a sua vontade de lê-lo.

 
Contextualizando: é o livro de um pai para um filho, chamado Amador.

 
PRÓLOGO
Às vezes, Amador, tenho vontade de lhe contar muitas coisas. Mas guardo-as para mim, fique tranquilo, pois já devo aborrecê-lo com muitos discursos em meu ofício de pai, para ainda acrescentar outros suplementares fantasiado de filósofo. Compreendo que a paciência dos filhos também tem um limite. Além disso, não quero que aconteça comigo o mesmo que com um amigo meu, galego, quando certo dia estava contemplando o mar com seu garoto de cinco anos. O pirralho lhe disse, em tom sonhador: "Papai, gostaria que a mamãe, você e eu saíssemos num barquinho para passear pelo mar."
Meu sentimental amigo, com um nó na garganta bem em cima do nó da gravata, respondeu:
"Claro, meu filho, vamos quando você quiser!" "E quando estivermos bem
longe", continuou fantasiando a terna criatura, "vou jogar os dois na água para vocês se afogarem." Do coração partido do pai brotou uma exclamação de dor: "Mas, meu filho...!" "Claro, papai. Então você não sabe que vocês pais nos aborrecem muito?" Fim da primeira lição. Se até uma criança de cinco anos consegue perceber isso, imagino que um marmanjo de mais de quinze, como você, deva estar cansado de sabê-lo. De modo que não é minha intenção lhe dar mais motivos para o parricídio do que os usuais nas famílias bem ajustadas. Por outro lado, sempre achei aborrecidos esses pais empenhados em ser "o melhor amigo de seus filhos". Vocês, meninos, devem ter amigos da sua idade: amigos e amigas, claro. Com pais,
professores e outros adultos é possível, na melhor das hipóteses, entender-se razoavelmente bem, o que já é bastante. Mas entender-se razoavelmente bem com um adulto inclui, às vezes, ter vontade de afogá-lo. Caso contrário, não é válido. Se eu tivesse quinze anos, o que já não é provável que volte a acontecer, desconfiaria de todos os adultos "simpáticos" demais, de todos os
que desejassem parecer mais jovens do que eu e de todos os que me dessem razão sistematicamente. Você sabe, aqueles que sempre afirmam que "vocês jovens são maravilhosos", "sinto-me tão jovem quanto vocês" e bobagens do tipo. Olho neles! Alguma coisa devem estar querendo com tantos galanteios. Um pai ou um professor que se prezem precisam ser um pouco aborrecidos, ou não servirão para nada. De jovem basta você.
De modo que me ocorreu escrever algumas coisas que em certos momentos quis lhe contar mas não soube, ou não ousei. Quando um pai fala de um assunto filosófico, é preciso ficar olhando para ele, fazendo cara de interesse embora sonhando com o momento libertador de sair correndo para ver televisão. Mas um livro você pode ler quando dá vontade, em horas perdidas, e sem
necessidade de mostrar respeito: ao virar as páginas, você pode bocejar ou rir, com toda a liberdade. Uma vez que a maior parte do que vou lhe dizer tem justamente a ver com a liberdade, é mais adequado para ser lido do que para ser ouvido como sermão. Mas, isso sim, será preciso prestar um pouco de atenção em mim (aproximadamente a metade da atenção que você dedica a
aprender um novo jogo de computador) e ter um pouco de paciência, principalmente nos primeiros capítulos. Embora compreendendo que isso possa tornar as coisas bem mais difíceis, não quis poupar-lhe o esforço de pensar passo a passo nem tratá-lo como se fosse um idiota. Na minha opinião, com a qual não sei se você concorda, quando tratamos alguém como idiota é muito
provável que, se ainda não o for, logo venha a sê-lo...
Do que me proponho a falar? Da minha vida e da sua, nada mais nada menos. Ou, se preferir: do que eu faço e do que você está começando a fazer. Quanto ao que eu faço, gostaria de, finalmente, responder uma pergunta que você me fez à queima-roupa há muitos anos - talvez você nem lembre - e que na hora ficou sem resposta. Você devia ter uns seis anos, e estávamos passando o verão em Torrelodones. Aquela tarde, como as outras, eu estava datilografando sem muita vontade na minha Olivetti portátil, fechado no quarto, diante da foto da cauda de uma baleia enorme, erguida e respingando sobre o mar azul. Ouvia você e seus primos brincarem na piscina; via-os correr pelo jardim. Desculpe o pieguismo confidencial: senti-me encharcado de suor e de felicidade. De repente você chegou até a janela aberta e disse: "Oi. O que você está maquinando?" Respondi qualquer bobagem, pois não era o caso de começar a explicar que estava tentando escrever um livro de ética. Você não estava nem interessado em saber o que fosse a ética nem disposto a me dar atenção durante muito mais de três minutos. Talvez só quisesse me fazer lembrar que estava ali: como se em algum momento eu pudesse esquecê-lo, então ou agora! Mas os outros já o chamavam e você saiu correndo. Continuei maquinando, e é agora, quase dez anos mais tarde, que finalmente resolvi lhe dar explicações sobre essa coisa preciosa, a ética, da qual continuo me ocupando.
Alguns anos depois, e também em nosso miniparaíso de Torrelodones, você me contou um sonho que havia tido. Será que também não lembra? Você estava num campo muito escuro, parecia de noite, e soprava um vento terrível. Você se agarrava às árvores, às pedras, mas era implacavelmente arrastado pelo furacão, como a menina de O mágico de Oz. Então, rodopiando no ar rumo ao desconhecido, você ouviu minha voz (e explicou: "Eu não o via, mas sabia que era você") dizendo: "Tenha confiança! Tenha confiança!" Você não imagina o presente que me deu contando esse maravilhoso pesadelo: nem que eu vivesse mil anos poderia lhe pagar o orgulho daquela tarde em que fiquei sabendo que minha voz era capaz de encorajá-lo. Pois bem, tudo o que vou lhe dizer nas páginas que se seguem são apenas repetições deste único conselho: tenha confiança. Não em mim, é claro, nem em qualquer sábio, mesmo que seja dos verdadeiros, nem em prefeitos, padres ou policiais. Também não em deuses ou diabos, nem em máquinas, nem em bandeiras. Tenha confiança em si mesmo, na inteligência que lhe permitirá ser melhor do que já é e no instinto de seu amor, que o abrirá para merecer boa companhia. Como você vê, este não é um romance de mistério, desses que é preciso ler até a última página para saber quem é o criminoso. Estou tão apressado que já começo revelando no prólogo a última lição.
Talvez você suspeite de que estou tentando fazer sua cabeça, e em certo sentido tem razão. Muitos povos antropófagos abrem - ou abriam - o crânio de seus inimigos para comer parte de seu cérebro, pretendendo assim apropriar-se de sua sabedoria, de seus mitos, de sua coragem.
Neste livro, estou lhe dando para comer um pouco da minha própria cabeça e também aproveito para comer um pouco da sua. Não sei se você poderá tirar muito alimento do meu miolo: talvez apenas uns pedaços da experiência de um príncipe que nem tudo aprendeu nos livros. Quanto a mim, quero apropriar-me, mordiscando, de uma boa porção do tesouro que você tem de sobra: juventude intacta. Bom apetite para nós dois!
Capítulo 1
O que é a ética?

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